sexta-feira, 22 de julho de 2011

ESCREVER QUANDO NÃO SE SABE


Rosângela Veliago

O que geralmente acontece quando as crianças ingressam na escola?
Nas séries iniciais, elas são submetidas a inúmeras atividades de preparação para a escrita, em geral cópia ou ditado de palavras que já foram memorizadas. Primeiro copiam sílabas, depois palavras e frases, e só mais tarde são solicitadas a produzir escritas de forma autônoma.
Isso só acontece na escola. No dia-a-dia, as pessoas aprendem de outro modo: fazendo, errando, tentando de novo, até acertar.
A concepção tradicional de alfabetização dá prioridade ao domínio da técnica de escrever, não importando propriamente o conteúdo. É comum as crianças terem de copiar escritos que não fazem para elas o menor sentido: “O boi baba”; “A fada é Fátima”.
Os aprendizes não se lançarão ao desafio de escrever se houver a expectativa de que produzam textos escritos de forma totalmente convencional: no início da alfabetização, isso ainda não é possível.

Para aprender a escrever, é fundamental que o aluno tenha muitas oportunidades de fazê-lo, mesmo antes de saber grafar corretamente as palavras: 
quanto mais fizer isso mais aprenderá sobre o funcionamento da escrita.

A oportunidade de escrever quando ainda não sabe
permite que a criança confronte hipóteses sobre a escrita
 e pense em como ela se organiza, o que representa, para que serve.

Na escrita existem dois processos que precisam ocorrer simultaneamente. Um diz respeito à aprendizagem de um conhecimento de natureza notacional: o sistema de escrita alfabético; o outro se refere à aprendizagem da linguagem que se usa para escrever (Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa).
Para que esses dois processos se desenvolvam de maneira adequada “é fundamental considerar os alunos como escritores plenos, capazes de produzir textos diversos dirigidos a destinatários reais e orientados para cumprir propósitos característicos da escrita – informar, registrar, persuadir, documentar –, evitando colocá-los na posição de meros copiadores de escritos irrelevantes, em situações em que a cópia não responde a nenhum propósito identificável” (Actualización curricular).
O ato de escrever implica o controle de dois aspectos fundamentais: o que escrever e como escrever – e isso não é simples, principalmente quando se está aprendendo. Esse é um momento em que os alunos precisam pensar em como escrever, em como se organiza o sistema alfabético de notação.
Muitas atividades podem ser propostas para as crianças explicitarem suas hipóteses, compararem com as hipóteses de seus colegas e com a escrita convencional, em vez de reduzir o ensino à codificação de sons em letras, ou à reprodução de frases ou palavras soltas.
O trabalho em parceria é um grande aliado: pode-se agrupar os alunos e propor que escrevam listas, trechos de histórias, títulos de livros, textos poéticos que conhecem de memória (músicas, parlendas, quadrinhas, adivinhações ou trava-línguas).
Quando estão trabalhando coletivamente, é importante definir com clareza os papéis, para que todos participem: um aluno pode, por exemplo, ditar enquanto o outro escreve, ou um ditar, outro escrever e outro revisar. Esses papéis precisam se alternar, para que sempre haja novos desafios para todos.

 Texto de Rosângela Veliago, a ser publicado em Cadernos da TV Escola, MEC/1999.74

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